Retrato sem moldura

Dispersão

Aristeu e Artemisa conheceram-se num domingo de carnaval. Mais precisamente na área de concentração das escolas de samba, pouco antes de defenderem as mesmas cores. Tudo começou ao se ajudarem mutuamente: Artemisa prendeu o penacho na cabeça de Aristeu, enquanto o companheiro de ala colava no bico do seio esquerdo dela uma estrela prateada. Já nesse instante ambos tiveram a sensação de não ser a primeira vez em que se viam.

Durante o desfile, à maneira de muitos pássaros, praticaram o bailado da sedução. Acintosamente. Tanto fizeram que o diretor de harmonia quase os eliminou do enredo, alegando atrapalho à evolução. Só não procedeu assim porque a plateia explodia em aplausos, maravilhada com a sensualidade do casal.

Na Praça da Apoteose, não se dispersaram, muito ao contrário. Passaram o restante da festa pagã num motel, alheios aos demais folguedos, atentos tão somente às alegorias e adereços daquela paixão repentina. Cada vez mais forte, pairava a impressão de que já se haviam avistado anteriormente.

Quando, na quarta-feira, Aristeu e Artemisa retornaram à rotina do cotidiano, o enigma se desfez. Moravam no mesmo prédio. No mesmo andar. Porta com porta.

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