Retrato sem moldura
Algemas de veludo
Ao completar 12 anos, Amanda ganhou do padrinho, proprietário de uma fábrica de brinquedos, um quebra-cabeça personalizado. Montadas as peças, lá estava ela, sorridente e brejeira. Enquanto os encaixes não lhe pareceram evidentes, foi sua diversão predileta.
Muito cedo Amanda se casou e logo gerou três filhos. O marido, 15 anos mais velho, colocou-lhe algemas de veludo.
Certo dia, num sopro de saudade, Amanda montou o quebra-cabeça sobre a penteadeira de seu quarto. Algum tempo depois, ao lembrar-se de haver abandonado o sonho universitário, retirou uma peça do jogo e a figura ficou sem o tampo da cabeça. De outra feita, fez sumir o sorriso. Ao perceber o amortecimento do desejo, livrou-se de meia dúzia de pedaços. Os pés, ela os eliminou quando, ao olhar para trás, não viu marcas pelo caminho.
Sob os olhares míopes de marido, Amanda foi-se desfazendo.
