Retrato sem moldura
O ocaso do artista
Passos lentos, arrasta-se até a varanda de seu ateliê e acomoda-se no assento de palhinha. Enquanto ouve o rangido dissonante da cadeira de balanço, medita. Ultimamente anda insatisfeito, questiona-se sobre o próprio ofício. Tudo lhe parece rotineiro, repetitivo, inexoravelmente previsível. Sempre os mesmos traços, as mesmas pinceladas, os mesmos matizes, responsáveis por um sentimento inquietante: já não sendo capaz de criar, sua arte também envelhece.
Além dessa insatisfação, outra o assalta: se antes não se importava, agora o aborrece a pecha de ardiloso – engendra e destrói. Como autodefesa, o fato de possuir a faculdade de aplacar o sofrimento. Incontinenti, repensa o alento: melhor seria não existir a dor…
Lá fora, cai a tarde por detrás da serra erodida. Lentamente, o Tempo retorna ao interior do seu ateliê. Mesmo entediado, mune-se da paleta, dos pincéis, das tintas. Urge retocar um novo lote de rugas.