Retrato sem moldura

Na boca da noite

Lucinda cria vagalumes. Num viveiro de paredes de vidro, abriga centenas desses bichinhos luminosos. De segunda a sexta-feira, dedica-se a capturá-los. Uma vez por mês, liberta 11 deles em direção à boca da noite. Ontem, um curioso indagou-lhe a razão do viveiro, ao que ela respondeu:

— Quando criança, não pude ter uma árvore de Natal, dessas com luzes de acende-apaga, presas em galhos envoltos em celofane.

Parte da verdade apenas. Lucinda não revelou que os pirilampos libertos têm a ver com seus desejos. Assim também acontece com eles: ora se acendem, ora se apagam, até se perderem na escuridão.

— Por que sempre 11? – insistiu o curioso.

Lucinda ficou olhando o pisca-que-pisca dos luze-luzes pouco antes devolvidos ao negrume. Falou como se mastigasse as palavras:

— O número 11 simboliza a luta interior, a dissonância, o extravio…

De segunda a sexta-feira, Lucinda captura vagalumes. Aos sábados e domingos ela descansa. Afinal, é desgastante possuir um viveiro de desejos.

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