Retrato sem moldura

Luminosa manhã

Os parentes andam aflitos. Sônia enfurnou-se no galpão existente nos fundos de sua casa e passa os dias por lá, esculpindo um sonho antigo. Com martelo e talhadeira vai aparando arestas, entalhando reentrâncias, criando novos contornos. Vez em quando, se vale de uma flanela e se põe a lustrar o desejo.

Certo dia, surgiu no galpão um homem circunspecto. Ao sair, fez o convite:

— Apareça no consultório. Há um divã confortável, onde você poderá relaxar enquanto me fala da escultura…

Naquela noite mesma, Sônia aquietou o martelo, a talhadeira e a flanela num bornal de couro curtido posto a tiracolo.

Sem alarde, abraçada ao sonho inacabado, saiu em direção ao amanhecer.

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