Retrato sem moldura
As coxas de Hermínia
Antes mesmo de meus olhos se tornarem gulosos, as coxas de Hermínia já me fascinavam. Naquele tempo, Hermínia metia-se num maiô inteiro e caminhava com suas coxas em direção ao mar. Conhecedor de seus horários, sempre me antecipava. Ao chegarem à praia, lá estava eu a espreitá-las. Quando Hermínia desvencilhava-se da toalha que trazia amarrada à cintura e as coxas se mostravam, meus olhos ficavam febris.
Pouca diferença existiu, pelo menos para mim, no dia em que Hermínia adotou o duas-peças. Dela interessavam-me as coxas.
Maldito seja o inventor do trabalho. Roubou-me as coxas de Hermínia em dias de semana. Além da agonia da espera, o tormento da incerteza. E se no sábado o tempo nublasse? E se chovesse no domingo?
Dias antes do seu casamento, descobri um fiozinho azul numa das coxas de Hermínia, mas nem liguei. Morri foi de inveja do noivo, estirado na brancura das areias, a cabeça recostada bem pertinho do filete azulado.
Consumado o casório, as coxas de Hermínia mudaram-se para longe de minhas vistas. Anos depois, na piscina do clube, ressurgiram: divorciadas, com mais alguns fiozinhos azuis e umas gordurinhas aqui e ali. Sempre aos domingos, as maduras coxas de Hermínia estiveram, por algum tempo, ao alcance do meu olhar.
Ontem pela madrugada, enquanto todos cochilavam, afastei as flores e levantei o vestido de Hermínia. No silêncio da capela, meus olhos viúvos se despediram de suas coxas arroxeadas.