Retrato sem moldura
Os sinos de Sandoval
Siga pela estrada principal até encontrar dois cocurutos de cupim. Embique à direita e pegue uma estradinha à beira do rio. Ultrapasse, lá adiante, a estreita ponte de piso de cimento e grades de ferro. Mais um pouco, chegará ao lugarejo onde Sandoval, o sineiro, pode ser encontrado.
Todos os dias, ao entardecer, ele arrasta para a calçada de sua casa a espreguiçadeira, estira-se e põe-se a ouvir os sinos. Justo por esse hábito, corre à boca pequena que Sandoval anda de miolo amolecido. Afinal, o repicar dos sinos, apenas ele é capaz de ouvi-lo. E mais, dá-se ao cuidado de esclarecer aos que dele se acercam:
— Este eu toquei na festa do padroeiro; aquele, na procissão do Nosso Senhor. Ouvem o carrilhão? Foi na visita do Papa!
Por muitos anos, na capital, o velho sineiro exerceu seu ofício. Até o dia em que, a bem da modernidade, a automação assumiu as torres das igrejas. Sem serventia, Sandoval foi posto de lado.
Sempre que uma comadre lhe conta o que dizem a seu respeito no povoado, dá de ombros, antes de comentar:
— Louco estarei no dia em que os sons de minha vida não me forem audíveis…