Quatro cantos
Primavera em Zênite
Na praça principal de Zênite, há um pódio circundado por um jardim sem flores. Como por lá derrota é desonra, faz algum tempo a maioria dos jardineiros abandonou a profissão. Em busca de aplausos, uns poucos ainda tentam florações. Importam adubos, experimentam, mas só fazem brotar hastes nuas.
– Páginas 9 a 11 –
Verão em Viramusgo
Um homem chegou ao povoado e ditou sentença: “Isso aqui vai virar represa.”
Em curto prazo, todos juntaram as tralhas e se foram para um lugar de quadras simétricas, construções padronizadas. Sem alma, sem fantasmas nas esquinas.
Desviado do curso, o rio lambeu novos caminhos, avolumou-se no vale, cobriu as ruas, a praça, as árvores, as casas, a igreja, o passado, a tradição.
Por muito tempo, o açude lá esteve, enorme mortalha líquida. Belo dia, repentinamente, nuvens negras povoaram o céu, raios o riscaram, trovões fizeram soar seus ribombos, mas não choveu. Manhã seguinte, a represa deu de secar e o lugarejo ressurgiu por inteiro, musgo entranhado no calçamento, nos prédios, na casa de Deus. Rebatizou-se: Viramusgo, onde o limo não perde o viço.
Vários ex-moradores vieram ver Viramusgo. Porém, logo se entediaram. Apenas o Vendeiro persiste. Gosta de caminhar pela estreiteza das ruas esverdeadas e lisas. Cautelosamente, sem a sofreguidão dos afoitos, tem por hábito penetrar nas casas desertas, prostar-se horas a fio no banco da praça, alheio à friagem, que o Sol, mesmo inclemente, não consegue eliminar.
O Visitante o encontrou no interior do armazém. Cotovelos poiados no balcão úmido e verde, o Vendeiro desfiou desapontos e verdades. “Bicho-homem tem raízes frágeis, memória fraca. Desdenha da vida, zomba da morte – o broto e o mofo. Não se recorda do verde dos alquimistas – a luz das esmeraldas, capaz de penetrar os maiores segredos.”
– Páginas 25 a 38 –
Outono em Amanhecer
Há, em Amanhecer, uma única rua por onde as pessoas caminham ora apressadas, ora preguiçosamente. Existem, vale ressaltar, muitos atalhos, que os governantes fingem desconhecer. Caso os considerem, tratam de oficializá-los ou de torná-los proibitivos. Quando os oficializam, estabelecem limites.
Tudo é difuso em Amanhecer, enigmático, inclusive o tempo. Cada dia vivido não corresponde exatamente ao que se viveu. Pode multiplicar-se, como também reduzir-se significativamente.
– Páginas 39 a 41 –
Inverno em Solaris
Quem conheceu Solaris no antigamente sabe da luminosidade que havia por lá. Quando o primeiro arranha-céu brotou, ninguém imaginava o adiante: a especulação imobiliária desfigurou a cidade, permitiu que a penumbra a abocanhasse.
O comportamento escamoteado de seus habitantes não vem de sempre. Surgiu gradativamente, à sombra de cada novo edifício, até alastrar-se feito hera no costado dos muros. O falar sussurrado tornou-se corriqueiro, assim como confabulações, alianças, pactos.
Exilada nos terraços dos edifícios, a luz do Sol requintou as alturas, reservou-lhes os jardins, as piscinas, as alvoradas, os crepúsculos. Em Solaris, ao rés do chão, impera o burocratismo. Nada se resolve sem carimbos e vistos, memorandos e ofícios, favores e propinas. No alto, vinga a astúcia: a claridade se expande, mas as sombras se manifestam em palavras e atos. Nos topos das construções, prevalece a luz da desfaçatez.
– Páginas 57 a 59 –