Palavras para as palavras

O Correio
Tema: A celebração da escrita
Edição:
de 19 de fevereiro a 3 de março de 2000

Nessas cem edições de O Correio, seus editores, articulistas e colaboradores eventuais buscaram vencer o enorme desafio da escrita. Carlos Drummond de Andrade, na abertura de seu poema “O lutador”, afirma: “Lutar com palavras / é a luta mais vã”. E diz mais adiante, referindo-se ainda às palavras: “Deixam-se enlaçar, / tontas à carícia / e súbito fogem / e não há ameaça / e não há sevícia / que as traga de novo / ao centro da praça”. A certa altura, confessa: “Lutar com palavras / parece sem fruto. / Não têm carne e sangue… / Entretanto luto”.

José Chagas e Fernando Filizola, numa composição da qual se fizeram parceiros, declaram: “Palavra quando acesa / não queima em vão, / deixa uma beleza posta / em seu carvão”.

Para Armando Nogueira, “a palavra escrita é uma fonte de idiossincrasias; não tolera intimidades; adora reverências”. (“Na grande área” – Jornal do Brasil. 18.9.1996).

Ah, as palavras, as palavras… Servem à ira e à mansidão, à razão e aos casuísmos, geram pontes e abismos, prestam-se ao sussurro e ao libelo, são bálsamo e são cutelo. Armas sem travas quando ditas de modo mordaz, instrumentos de paz a quem se apraz de usá-las para tal fim. Lava incandescente e mel, fel e estrela cadente – queimam e adocicam, amargam e refulgem. Ficam à espera do tempo exato – semente a germinar no ventre da terra – ou surgem num só ato – enchente a despencar por entre a serra. São assim as palavras: tímidas e agressivas, ponderadas e intempestivas, inconsequentes e profundas, crentes e profanas, prudentes e afoitas, indomáveis e escravas. Por tudo isso, construir um texto, se por um lado inquieta, por outro provoca indescritível prazer.

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