O domador de palavras

O Cais
Nº 56
Edição:
abril/1996

Num domingo de agosto, éramos quatorze. Hoje, somos vinte e seis. Sempre aos domingos, reunimo-nos para não ver o Fantástico. Em cada encontro um fazer diferente e inesperado, ora lúdico, ora reflexivo. Acabamos vendo o fantástico, não na telinha, mas no plim-plim do imaginário.

Em seu livro As palavras andantes, o escritor uruguaio Eduardo Galeano conta que Magda Lemonnier recorta palavras nos jornais e guarda-as em caixas de cores diferentes: coloca numa caixa vermelha as palavras furiosas; numa verde, as amantes; reserva a azul para as neutras; na amarela abriga as tristes; as que têm magia, guarda-as numa caixa transparente. Às vezes, diz Galeano, ela abre e vira as caixas sobre a mesa. Misturadas a seu jeito, as palavras contam para Magda o que acontece e anunciam o que acontecerá.

Por que falo dos encontros domingueiros e do texto de Galeano? Deu-se que o engenheiro Jorge Hijjar, um dos integrantes do grupo, levou, dia desses, uma relação de palavras garimpadas no dicionário. Chamou-lhe a atenção a quantidade de vocábulos de conotação negativa (os que Magda Lemonnier classifica como furiosas). Catalogou 381! Com seu jeitão de profeta, Jorge deixou no ar uma pergunta:

— Por que a língua pátria é assim tão virulenta? Aqui, da beira do cais, eu diria que o problema é cultural. Comum que se destaque o negativo (o zero e não o dez; o malfeito e não a boa ação). Já reparou, leitor, nas manchetes dos jornais? Não são para os crimes, os escândalos, as falcatruas, as desgraças, que estão voltadas? Daí a quantidade de palavras furiosas. As que você registrou, caro Jorge, sugiro enjaulá-las. Recomendo-lhe, uma vez por semana, entrar no cativeiro munido de tolerância, paciência, afeto, amor, coisas assim que Magda abrigaria em caixa transparente. Já se imaginou como domador de palavras furiosas? Domesticá-las a ponto de torná-las afetuosas, já pensou?

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