O califa e a casca de noz
O Correio
Tema: Situações-limite
Edição: de 10 a 23 de fevereiro de 2001
O assunto foi exaustivamente comentado, mas ainda permanece envolto em bruma, motivo pelo qual não há de ser inoportuno abordá-lo. França, 1998, decisão da XVI Copa do Mundo. A escalação do selecionado brasileiro, fornecida à imprensa, surpreendeu a todos (Ronaldo não joga!); não demorou, nova informação (Ronaldo joga!).
Num curto espaço de tempo, o joga-não-joga expôs inúmeras pessoas ao fio da navalha: os médicos da clínica francesa responsáveis pelo atendimento do atleta por conta da convulsão que o acometera; os integrantes da comissão técnica da equipe brasileira, Zagalo principalmente; o doutor Lídio Toledo; o próprio jogador e até mesmo Ricardo Teixeira, presidente da Confederação Brasileira de Futebol.
Quem, como eles, já esteve diante de uma situação-limite se torna íntimo dos mais diversos desassossegos. Abrir o jogo ou omitir-se? Ir ou ficar? Arriscar-se ou permanecer em segurança? Quem já não se viu às voltas com dúvidas desse teor? Afinal, viver é optar. Ou isso ou aquilo, assim sentenciou Cecília. Também quem já se viu preso ao leito, em lenta recuperação, sabe o significado desse caminhar pelo arame sem o auxílio da rede. Em tais circunstâncias, nos damos conta da vulnerabilidade, pois envolvidos na lufa-lufa nos descuidamos desse pormenor. Acamados, somos califas errantes em busca de oásis, casca de noz em alto-mar à espera de calmaria. Se vencemos a batalha, saímos duplamente fortalecidos. De corpo e de alma.