O caldeirão do bruxo
O Correio
Tema: Fim do caminho?
Edição: de 25 de outubro a 7 de novembro de 1997
Diante de mim, duas fotos de fatos recentes. Uma delas mostra Santo Versace levando ao cemitério a urna com as cinzas de seu irmão, o estilista italiano Gianni Versace, estupidamente assassinado. A outra destaca o local onde Fernando Caldeira de Moura estatelou-se após despencar de 2400 metros de altitude, a uma velocidade de 600 quilômetros horários, depois de ser sugado do Folker 100 da TAM, em consequência da explosão que abriu um enorme buraco na fuselagem do avião. Escapulido da lona negra com a qual lhe cobriram o corpo politraumatizado, vê-se um dos pés do engenheiro.
Cemitério de Moltrasio, norte da Itália, às margens do Lago Como, e Fazenda Mandioca, em Tijuco Preto, município de Suzano, a aproximadamente 40 quilômetros da cidade de São Paulo. Alguém influente no mundo da moda e um cidadão comum. Situações aparentemente díspares, há um elo entre elas, além da tragédia: a urna funerária e a cova improvisada no canteiro de nabos dão-me consciência de que vivemos no fio da navalha.
“Ninguém teve tanta influência em tão pouco tempo sobre a cidade”, afirmou Seymour Gelber, prefeito de Miami Beach, referindo-se a Gianni Versace. Pois o mago da moda, o estilista mundialmente reconhecido, transformou-se num bocado de cinza. Cabe agora numa pequena caixa retangular. Já o engenheiro Fernando, ao entrar no avião em São José dos Campos, jamais imaginaria o mergulho fatal, objeto de tão funesta notoriedade. Estamos todos, sem exceção, à mercê do inusitado, do trágico, do imprevisível, do imponderável. É isso: muito siso e pouco riso, um bruxo arbitrário cozinha nossos destinos em fogo brando. Quando bem entende, faz ferver o caldeirão.