No escurinho do cinema
O Correio
Tema: Sombras e luzes do cinema
Edição: de 8 a 22 de novembro de 1997
Recentemente, Artur Xexéu dedicou o espaço de sua coluna, no Jornal do Brasil, aos antigos cinemas de Copacabana. Vai daí, bateu nostalgia em meu coração, relativamente aos de Niterói. Peço licença ao cronista para embarcar na mesma canoa.
Começo pelo Éden, frequentado nos antigamentes pela intelectualidade boêmia da cidade, a mesma que se refugiava no Café Paris. Tão importante para o dono do cinema a presença daqueles pensadores, que mandou imprimir um livreto em homenagem aos poetas. Nas páginas da esquerda, fotos e breves comentários de personalidades ligadas ao meio cinematográfico (D. W. Griffith, George Alexander, Lya Rutti, Mary Pickford, Douglas Fairbanks, Dolores del Rio, Charles Chaplin…). À direita, nomes, fotos e poemas dos mais assíduos às sessões.
Lembro-me do Imperial (situado no térreo do hotel homônimo), que conheci decadente. Logo deixou de funcionar.
Além dos já citados, havia o Royal, o Odeon, o Rio Branco, todos no centro da cidade. A eles se juntava o Rink, com suas pulgas, sua tela às avessas (localizava-se às costas de quem entrava na sala de projeção). Programa imperdível: jornal, desenhos animados, dois faroestes.
Mais tarde, defronte à estação das barcas, o Central, luxuoso para a época, ar-condicionado, exigência de uso do paletó, filmes em três dimensões, as imagens parecendo saltar da tela. Foram-se a obrigatoriedade da fatiota, a ilusão de ótica e o próprio cinema, recentemente desativado.
Dos mencionados, apenas o Odeon sobrevive, com outro nome: agora é xará da cidade. Outros também já não existem: em Santa Rosa, erguia-se o Mandaro. O Grill situava-se no prédio do antigo Cassino Icaraí, onde hoje se instala a Reitoria da Universidade Federal Fluminense. No bairro do Fonseca, reinava o Alameda. Resistem (até quando?) o antigo Cassino, hoje Arte UFF, e o Icaraí.
Este último tem história. Houve um tempo em que brincalhões se dedicavam a alterar os dizeres do letreiro. Pela madrugada, compunham outro título para o filme em cartaz, às vezes hilariante, às vezes impublicável. Outra passagem famosa: excedendo-se em irreverência, alguém soltou uma galinha na sala de projeção. De outra feita, o autor da galhofa adotou sutil procedimento. A protagonista subia os degraus (não me lembro se Ava Gardner ou Elizabeth Taylor, talvez Grace Kelly…). Ao atingir o topo da escada, virava o rosto por alguns segundos, voltava a olhar para frente e prosseguia, passos vagarosos, até desaparecer de cena. Um espirituoso repetiu a sessão. Quando a atriz atingiu o último degrau, chamou por ela em voz alta. Para demonstrar intimidade, mencionou o prenome da estrela, não o da personagem; ato contínuo, sapecou: “Nada não, te ligo depois”.
Nos cinemas de outrora, as telas eram protegidas por pesadas cortinas. Pouco antes de iniciar-se a sessão, ainda no lusco-fusco, antes de as luzes se apagarem de todo, eram descerradas devagar, como se desvendassem os segredos de um corpo de mulher. Hoje em dia, enquanto as remanescentes são disputadas pelos evangélicos, as novas salas abrigam-se nos templos de consumo, padronizadas, telas despudoradamente nuas. Saudosismo? Com certeza há de ser. Queiramos ou não, para quem o filme já passou da metade, o antigamente está sempre em cartaz.