Forca de seda
Narrativa em torno da poesia de Drummond
(fragmentos)
Falar de Corina, a cobra que sentiu de perto a problemática do ensino, será prestar depoimento, alertar para fatos acontecidos.
Não pensem os mais afoitos ter sido Corina uma cobra subversiva, marxista-leninista, nada disso. Pena que seu sacrifício tenha sido em vão, seu ofídico testemunho desconsiderado. Lamentável as cobras não ocuparem lugar de destaque no cenário nacional. Tão logo haja tempo, iremos verificar se a coisa mudou. Interessa-nos sobremaneira a posição das cobras na vida pública!
Deixando de lado particulares preocupações, narremos o acontecido, tal como se deu. […]
– Página 71 –
[…] Aquilo era uma escola? Prédio esburacado, reboco das paredes caindo, ausência de luz… Uma lástima!
“E agora, José?
se você gritasse,
se você gemesse,
se você tocasse
a valsa vienense,
se você dormisse,
se você cansasse,
se você morresse…
Mas você não morre,
você é duro, José!” […]
– Página 75 –
[…] A criançada espalhava-se no recreio, a maioria em roupas humildes, pés descalços. De repente, a gritaria. “Uma cobra! Tem uma cobra no banheiro!”.
Dentro do banheiro tinha uma cobra (Corina),
tinha uma cobra dentro do banheiro.
Tinha uma cobra,
dentro do banheiro tinha uma cobra. […]
– Página 77 –
[…] “E agora, José?
No meio do caminho tinha uma pedra”. […]
Que atingiu a cabeça da cobra, fê-la agonizante, a vida desaparecendo em cada estertor. Depois, um vidro com álcool e a derradeira enrodilhada. [..]
– Páginas 78/79 –
[…] Amanhã procuro as autoridades competentes, conto tudo.
“Lutar com palavras é a luta mais vã.
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Não me julgo louco.
Se fosse, teria
poder de encantá-las.
Mas lúcido e frio,
apareço e tento
apanhar algumas
para meu sustento
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Lutar com palavras
parece sem fruto.
Não tem carne e sangue…
Entretanto, luto.” […]
– Página 83 –
[…] “Lutar com palavras é a luta mais vã”. […]
[…] “Já desisto de lavrar
este país inconcluso,
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Já soluço, já blasfemo
e já irado me levanto”.
Mostro Corina.
– Venenosa?
– Páginas 84/85 –
[…] “Perdi o bonde e a esperança” […]
[…] “Já não quero palavras
nem delas careço”. […]
– Página 86 –
[…] — Mostrou a cobra?
[…] — hum, hum…
— E eles?
— Perguntaram se era venenosa…
Esta é a história de Corina, que se aventurou na terra dos humanos e não mais voltou, que frequentou escola e gabinete de Secretário, que mobilizou Drummond, que se martirizou, sem, contudo, impressionar as autoridades.
– Página 87 –