Forca de seda
Chuvosas reflexões
Nas águas mansas da lagoa, espetadas em pernas de taco, as garças absorvem chuva miúda. Quando em vez, uma sacudidela de asa, um mover de pescoço. Preferem, porém, a imobilidade, qual estátuas emplumadas.
Longe, um morro grávido exibe seu contorno. No ventre, a vegetação é viçosa. Em idos tempos, erodindo-lhe a barriga, a natureza faria o parto. Hoje, chegarão primeiro os gigantescos bisturis dos humanos. Geograficamente oposto à lagoa, o mar. Ouço-lhe o barulho. As águas estão chorosas, saudosas talvez do Sol. Há construções ao redor, a lagoa já não pertence apenas às garças, aos peixes, aos sapos.
O asfalto é uma mancha negra rasgando as dunas. O automóvel roda macio. Um artrópode desatento explode no para-brisa. Segundos antes, voava. Agora é um borrão. Experimento o gosto amargo da culpa. Jamais pensara que atropelar um inseto fosse assim tão traumático.