Forca de seda
Forca de seda
Acordei envolto em brumas. Na mira de duendes e demônios, fiquei mastigando meu silêncio, futucando rosas, afagando espinhos. Fingindo desinteresse, eles bocejam. Alheio a essa indiferença, colho relembranças, monto peças de meu folclore num tabuleiro de veludo. Vida sem folclore é compromisso não saldado, narrativa sem enredo, lousa sem rabisco, sem marca de apagador, digo de mim para comigo.
Trabalho com sensibilidade de artesão cego, dando às partes desconexas sentido de mosaico: cato cacos da infância, evoco crises adolescentes, ídolos decaídos, namoro de estreia, beijo idem, musas. Trago de volta a “primeira vez” (confusa atuação em cabaré de beira de estrada), vestibular, aula inaugural. Capto frustrações, amores dissonantes, (in)gratidões, lágrimas não choradas, sorrisos esquecidos, gestos descabidos, olhares, palavras, frases. Ponho em fila (des)encontros, nascimentos, mortes, (des)acertos. Revejo retratos amarelecidos. Resgato a cidadezinha, a cachoeira, o regato. Recrio mágicos momentos, curto músicas, acenos, carícias…
Essas coisas, muitas vêm de mansinho. Feito songamonga, como quem nada quer. De repente asfixiam. Outras surgem qual enchente de serra, num átimo avolumadas. Há as que fluem e as que se debatem, as que queimam e as que refrescam, as que ardem, as que adoçam e as que amargam, as que amarguram. Penso rodopiá-las em imaginário calidoscópio.
Agora, os demônios buscam fustigar. Dão cabriolas os duendes. Há, também, duendes emburrados e demônios sorridentes. Vá entendê-los!
Volto a ruminar silêncios. Acaricio rosas, futuco espinhos. Desmantelo o tabuleiro. Saio, o pescoço envolto numa forca de seda.