Café Pingado
Poemas da cafeteria
Gosto do gosto do café pingado
tomado em goles parcimoniosos.
Gosto do ócio fecundo,
quando busco a rima, não a solução,
para os impasses deste vasto mundo.
Gosto dos momentos preciosos,
nos quais me entrego ao sonho
e me proponho a abraçar os tantos que já fui.
Gosto de alinhavar o nada
enquanto a vida flui apressada e arredia
na calçada da cafeteria.
***
Ele estava lá, o cão vadio,
na calçada da cafeteria,
esparramado, perto do meio-fio.
Fazia frio, havia um vento que o ampliava.
E o cão ali estava, ao desabrigo,
o olhar tristonho a dialogar comigo.
***
O casal discute a relação ao sabor do chocolate.
Olhos plenos de esperança, o ancião acalenta uma criança.
A mulher de olhar fugidio desafia o frio, põe de lado o agasalho.
O homem passa e aperta o laço em torno do pescoço.
O cão vadio abana a cauda e late.
Eu, que a tudo assisto, espalho no balcão umas desimportâncias.
Sempre atenta às circunstâncias, a vida traça seu esboço.
***
Agorinha mesmo o sol brilhava, neste instante chove.
O vento, até então ameno, sopra forte
e se move rumo ao norte.
Sob a marquise da cafeteria,
o cão vadio, antes arredio,
se arrepia e se enrodilha em pernas tolerantes.
Na mesa próxima ao balcão,
duas mulheres joviais dividem um pastel de camarão
e mastigam o fel das crises conjugais.