Breve questionamento sobre as tramoias do tempo
O Cais
Nº 113
Edição: setembro/2001
O tempo inquieta-me, ora espicha, ora encolhe. É falcão e tartaruga, bálsamo e navalha. Nesse clima, tece uma teia traiçoeira. Bobeou, cai-se nas suas malhas. Acontecendo, melhor aquietar-se, deixar que os fios se destrancem por si só.
Você, leitor, percebe o tempo feito um algoz brincalhão? Para você, há momentos em que o ontem exala bafo de múmia, tendo cheiro de cueiro o de há muito acontecido? Existem ocasiões em que o tempo voa quando melhor seria que se arrastasse? Outras vezes, rejeitando ser alado, ele rasteja? O tempo alivia, mas também provoca talhos e cicatrizes? Já atinou, caro leitor, para mágicos instantes (raríssimos, bom que se diga), em que a distância do passado e a lonjura do futuro convergem para um mesmo ponto? Vivencia, enfim, esse espicha/encolhe? Assimila essa postura do tempo, ora réptil, ora ave de rapina? Sente o seu afago e o fio de sua lâmina? Sendo assim, diga-me lá: consegue digerir, numa boa, essas tramoias?