Andanças andinas: contos diminutos

Chama-se Juanito. Carrega um olhar distante e sulcos profundos na face. Faz meio século, diariamente, chova ou faça sol, assim que amanhece, põe-se a polir a estátua do conquistador: o chapéu, as vestes, a espada, o arreio, os estribos, as botas, as esporas. Depois, passa a lustrar o cavalo, faz reluzir a musculatura de bronze.

Mal completara dez anos, por conta própria, passou a dedicar-se a essa missão. Certo dia um turista indagou-lhe o porquê da homenagem. Enquanto passava a flanela na pata direita do cavalo, justo aquela que, alteada, posicionava-se sobre sua cabeça, Juanito falou:

— Faço isso para que nunca se esqueçam dos conquistados…

– Páginas 14/15 –

Próximo à Calhe de las Brujas, em La Paz, num beco sem saída, Javier exerce seu ofício. Após ceder à cliente a banqueta, onde até há pouco se sentava, estende a manta sobre o piso pedregoso, acomoda-se, e dá início à sessão.

Acende um cigarro de palha enquanto examina atentamente e mulher com pele de pêssego. Lê o destino dela nas folhas de coca, que vai depositando sobre a manta, uma a uma.

Viera à cata de um ponto final para suas inquietações, ela dissera com voz decidida a Javier minutos antes. Agora, sentada no banco de pernas curtas, mostra-se pouco à vontade.

Depois de uma baforada sobre as folhas de coca, o brujo começa a desfilar reticências. Ao se despedir, Imaculada leva a mochila repleta de interrogações.

– Páginas 18/19 –

Celeste coleciona metáforas. Num enorme baú, no sótão de sua casa, tem mil e quinhentas devidamente catalogadas. Jamais deveria ter ido ao Vale de la Luna, em La Paz. Viu de perto a aridez, as crateras, os mares empoeirados. Ao retornar, ainda no bojo do desaponto, atirou por uma janelinha do sótão trezentas metáforas de sua coletânea.

Como era Dia dos Namorados, fez enorme sucesso a revoada de imagens poéticas. Desesperada, Celeste passou a desmetaforizar de viva voz o satélite. Dia seguinte, tachada de lunática, ocupava as manchetes dos jornais.

– Página 31 –

No alto da montanha, de pé sobre uma pedra, Lena abriu os braços em forma de cruz. Aspirou demoradamente o ar rarefeito, sentiu no rosto a carícia do vento e a mornidez do sol da manhã. Depois abraçou o mundo. Os braços de Lena têm o tamanho do seu afeto e o alcance do seu olhar.

– Página 45 –

Do alto da colina, vendo o rio serpentear pelo vale, o guia apontou para as casas lá adiante, cujos telhados apareciam no cocuruto do morro. Pausadamente, falou:

— Essa cidade foi destruída 11 vezes por terremotos, 11 vezes sua gente a reconstruiu.

Ao que o turista lhe indagou:

— Por que então você continua lá?

Mais pausadamente ainda, ele respondeu:

Pode ser que um novo terremoto a destrua…

– Páginas 54/55 –

Em Machu Picchu, o guia mostrava o Grupo Carcelario e falava dos nichos, onde os prisioneiros eram emparedados, restando-lhes tão somente uma pequena janela pela qual respiravam e eram alimentados.

Nesse momento, Perpétua sentiu forte sensação de desconforto. O quarto e sala onde se enclausura com suas culpas veio inteiro em sua mente.

– Página 56 –

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