Alegorias e adereços

O Cais
Nº 85
Edição:
novembro/1998

Estimuladas a manifestarem-se, crianças niteroienses protestaram quanto à possibilidade de extinção da ariranha, do tamanduá-bandeira, do tatu-canastra, do mico-leão-dourado, do peixe-boi, do lobo-guará. Nada contra, não estivesse essa turminha bem-nascida distante de todos esses animais. Provavelmente, a maioria sequer tocou no pelo de um bezerro ou teve oportunidade de presenciar galinha ciscando no terreiro. Sendo assim, o protesto soa falso, alegórico.

Dificilmente algum exterminador dos bichos enfocados lerá os dizeres do tapume, no qual se materializou o alerta. Portanto, houve outro distanciamento, dessa vez geográfico. Por outro lado, a flora e a fauna marítimas sofrem igual ameaça, mas não houve um único reclamo contra os descasos e os desmandos responsáveis por tamanha insensatez. Já que desejavam despertar a atenção para o que se extingue, algo mais próximo da realidade dos manifestantes poderia ser abordado: o crescimento da população de rua. Não estranhem se falo em acréscimo quando o tema é extinção. Na verdade, não estou fugindo do assunto. Afinal, sob as marquises onde à noite os despossuídos abrigam suas misérias, extingue-se o sorriso, extingue-se a esperança, extingue-se a cidadania.

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