Desmancha prazeres

O Cais
Nº 72
Edição:
setembro/1997

Certa vez, num de seus poemas, Manuel Bandeira desmetaforizou a Lua, despojou-a do “velho segredo da melancolia”. Demitiu-a de “atribuições românticas, sem show para as disponibilidades sentimentais”. Lua em si, satélite e nada mais. Nem assim conseguiu impedi-la de ser “o astro dos loucos e dos namorados”.

Mais adiante, lá pela década de 1960, o homem foi até lá e fez recordar o poeta. Inóspita, sem dragão e São Jorge, a Lua mostrou-se, de fato, reles satélite. Felizmente, as investidas diminuíram e o velho charme ressurgiu, dando razão ao cancioneiro popular: “Todos eles estão errados, a Lua é dos namorados!”

Eis que o americano resolve novamente desglamorizar o cosmos e investe na missão Pathfinder, destinada a escarafunchar Marte, o planeta mais fantasioso tirante a Terra. Afinal, antes de globarizarem o termo, não havia extraterrestres e sim marcianos, seres esverdeados e cabeçudos, portadores de antenas, tripulantes de naves espaciais prestes a pousar por aqui. Quanto às marcianas, diziam-nas com seios nas costas e nádegas na frente do corpo. Nos meus devaneios adolescentes, imaginei-me em Marte a dançar com uma delas, agarradinho, ao som de Moonlight Serenade, executada por Glen Muller e sua inesquecível orquestra.

Pois vem a NASA e faz pousar em Marte o robô Sojourner, que me traz à lembrança o carrinho de rolimã a bordo do qual, em tempos escassos de automóveis, eu descia desembestado pela Rua Fagundes Varela, a cabeça repleta de terráqueas e marcianas. Deu nisso: o Sojourner despiu mais uma fantasia cósmica. Não há homenzinhos verdes em Marte nem mulheres apropriadas para o aconchego. Paciência… Até porque, já não temos o Glen Muller...

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