Kioko e a mulher morena
O Cais
Nº 77
Edição: março/1998
Kioko Date ocupa os primeiros lugares nas paradas musicais japonesas com o CD Love Comunication. Não se espante, porém, se lhe disserem da inexistência de Kioko como ser humano. Na verdade, trata-se de uma mulher virtual. Sua voz, sucesso absoluto nas rádios de Tóquio, deve-se ao emprego de sintetizadores.
Ao tomar conhecimento da “cantora”, recordei-me de um poema de Vinicius de Moraes. Nele, o poeta roga pragas à mulher morena. Solicita cegarem-lhe os olhos envolventes, cortarem-lhe os lábios “maduros e úmidos e inquietos”; também os peitos, capazes de lhe sufocarem o sono. Pede que o salvem daqueles braços, “raízes reacendendo resina fresca”. Quer livrar-se do ventre e do dorso daquela que o atormenta com seus encantos. Encomenda rezas para mandá-la embora, para murcharem-lhe as pernas, para que a velhice a venha roer por dentro. Sentencia, enfim: “Morte cruel à mulher morena!” Vinicius inquietou-se com os encantos da mulher morena, a ponto de decretar-lhe o extermínio. Quanto a mim, incomoda-me em Kioko exatamente a inexistência dos atributos que afligiram o poeta. Em consequência, permito-me plagiá-lo: morte igualmente cruel à mulher virtual!