Seu Felismino e os Noéis de sala de aula
O Cais
Nº 86
Edição: dezembro/1998
Criada há cinco anos, a “Escola de Papai Noel” forma “bons velhinhos” para atuarem nos shoppings. Não basta vestir roupa vermelha e portar barba comprida e branca, são também necessárias postura adequada e boa dicção, ensinam os professores. Um Noel assim moldado pode ganhar até R$1.500,00 no mês de dezembro, ou faturar entre R$80,00 e R$100,00 por apresentações avulsas de trinta minutos. Para os Noéis de shoppings, reserva-se um considerável conforto: o ar refrigerado existente nesses templos do consumo, capaz de minimizar o incômodo provocado pela veste inadequada ao clima reinante na Terra de Santa Cruz.
De tal prerrogativa não se valeu seu Felismino, obrigado a suportar, no interior da imprópria vestimenta, os rigores do verão no Natal de 1950. Naquela época, cá na terra descoberta por Cabral, os condicionadores de ar eram apenas um sonho. Além do mais, o campo de atuação de seu Felismino foi a fábrica. O supervisor travestiu-se de Noel para alegrar os filhos dos operários. Sem treinamento prévio nem cachê, encantou a garotada, apesar da inexistência das renas e do trenó. Veio mesmo na carroçaria de um caminhão cheirando a sardinha. Filho do patrão, junto à meninada humilde e feliz, vivi um momento mágico. Aos sete anos, senti pela primeira vez o sopro da fraternidade.
Hoje, quando vejo esses Noéis pasteurizados, lembro-me do galpão da fábrica, dos operários e suas roupas domingueiras, as mulheres de estampado, os homens com seus paletós de pouco uso. Recordo-me do brilho nos olhos da criançada: em cada presente desembrulhado, um deslumbramento; em cada afago, um coração acelerado. Nos Noéis escolarizados não consigo perceber o mesmo calor humano daquele que seu Felismino encarnou. Na amplidão do shopping, tento encontrar o mesmo clima do galpão da fábrica. Nada se assemelha à magia daquele Natal longínquo.