Milagres e catástrofes
O Cais
Nº 130
Edição: março/2003
O dia ainda não se definira quanto a ensolarar-se. Havia, porém, um canto do céu disposto a tanto. Raios de luz, em feixes, rompiam as nuvens. A visão lembrou-me as superproduções da Metro Goldwin Meyer sobre temas bíblicos, dirigidas por Cecil B. de Mille tempos atrás. Religiosidade aparte, tais filmes me encantavam. Personagens místicos, mantos, heróis e vilões, bigas, cavalos fogosos, gladiadores, tudo me fascinava, principalmente os milagres, embora sempre desconfiasse deles. Refiro-me aos efeitos cinematográficos, ao clima criado pelo diretor, Falo de horizonte avermelhado, de nuvens diáfanas, de raios de sol transpassantes, de músicas solfejadas. Nesse aspecto, B. de Mille era insuperável. Tinha plena consciência de que, sem efeito sonoro, milagre nenhum emplacava. Vai daí, esmerava-se e o que se via na tela era pura magia. Ao saírem do cinema, os espectadores vinham dispostos a caminhar sobre as águas, fazer o mar se afastar, transformar um pão em muitos.
Com o tempo, alterou-se o enfoque das superproduções. A partir de 1970, com “Aeroporto”, dirigido por George Sianton, as telas dos cinemas passaram a abrigar grande tragédias. Os efeitos especiais, cada vez mais desenvolvidos tecnologicamente, adaptaram-se perfeitamente a tais abordagens. “Inferno na torre” e “Terremoto”, entre outros filmes do gênero, lotaram as salas dos cinemas. Na década seguinte, a maré do cinema-catástrofe refluiu para ressurgir nos anos 1990, ainda mais agitada (“Twister”, “Indenpendence Day”…). Os filmes catastróficos, que mostram o firmamento repleto de mísseis, explosões e fumaça, não me atraem. Mesmo não levando fé em milagres, (lembram-se do brasileiro?), dou preferência ao céu de Cecil B. de Mille.