Passeio pela obra de Wanderlino

3. Outros percursos.

Além da poesia, da crônica, do conto e da literatura infantil, Wanderlino Teixeira Leite Netto incursionou por outras áreas: o ensaio, a biografia, a pesquisa histórica e a autobiografia.

3.1. Em 1988, Contos recontados surge como ligeiro ensaio sobre as histórias da carochinha. Nele Wanderlino questiona valores e comportamentos que elas veiculam. No prólogo, o ensaísta já apresenta o caráter polêmico do assunto, confrontando dois pontos de vista radicalmente opostos – o de Johannes Richter, de contestação, e o de Bruno Bettelheim, de valorização desses contos. Posiciona-se ao lado do primeiro: “(…) deles pincei a essência de minha tese: Pelo que hoje penso, são refutáveis os contos infantis clássicos!” – p. 12.

A obra ficaria fechada, limitada, num posicionamento unilateral, não fosse o epílogo, em que o autor se dirige ao leitor em estilo muito parecido com o de suas crônicas e o instiga a repensar esse gênero literário. Termina, enfim, o livro perguntando, deixa a obra aberta a outros questionamentos, inclusive a refutações. Enriquecem o trabalho cinco depoimentos de homens e mulheres escritores, de diferentes faixas etárias, que estabelecem um diálogo com o autor sobre o tema tratado.

3.2. Em 1993, trouxe a público Ambição do pingo d´água – viagem ao redor de Jacy Pacheco – mais que uma biografia, um passeio de afeto pela vida e pela obra desse escritor fluminense, natural de Monerá, distrito de Duas Barras. Nessa obra, entre outros dados biográficos, Wanderlino relata a infância e a adolescência de Jacy, o noivado epistolar, a luta pela sobrevivência, as dificuldades da primeira publicação. Acima de tudo, revela o poeta eclético e criativo, que soube transitar competente e sensivelmente tanto pelas formas fixas quanto pelo verso livre e ousou brincar com a métrica num gênero tão convencional como o soneto, no qual demonstrou mestria não só nas rupturas ao cânone como também na elaboração de uma complexa coroa de sonetos.

Wanderlino mostra a importância desse poeta na vida literária de Niterói, a atuação dele na Academia Niteroiense de Letras (ANL), o reconhecimento de sua obra por parte de seus pares. No perfil de Jacy, avulta o homem sério mas não sisudo, que cultuou o lirismo e a paródia, a reflexão e a crítica, a prosa e a poesia. De certa forma, aproximou-se da “geração de mimeógrafo” (década de 1970), no sentido de haver publicado artesanalmente alguns de seus livros pela sua “Edições Brinquedo”.

Essa biografia, livro rico de informações, documentos e material iconográfico, é homenagem merecida que Wanderlino presta àquele que viria a ser seu padrinho na ANL: “Chego ao final da jornada com a doce sensação do dever cumprido, de haver prestado o meu tributo a uma pessoa que exerceu em plenitude a condição de ser pensante.” – p. 271.

3.3. Pelo seu valor como poeta e prosador, Wanderlino, no dia 31de julho de 1984, foi eleito membro da Academia Niteroiense de Letras (ANL). Em 14 de julho de 2022, a seu pedido, o escritor solicitou desligar-se dessa Academia, o que foi deferido em 29 de março de 2023. Já pelos seus trabalhos de pesquisa historiográfica – Dança das cadeiras e Passeio das letras na taba de Arariboia, livros de inestimável valor para a preservação da memória da cidade onde escolheu viver, passou a integrar, no dia 2 de dezembro de 2004, o Instituto Histórico e Geográfico de Niterói, do qual, também a seu pedido, deixou de fazer parte em de 12 de setembro de 2022.

Em Dança das cadeiras, lançado em 2001, o pesquisador traça a história de 57 anos da ANL, desde sua fundação, passando por um período de recesso, até sua restauração como instituição atuante nas décadas de 1970, 80 e 90 e parte do ano 2000. Na obra, o leitor pode encontrar resumos biográficos dos patronos e ocupantes de cada uma das 50 cadeiras, informações sobre eleições e posses no referido período e a cronologia de eventos significativos, entre outros assuntos.

Com base no prólogo de Dança das cadeiras, Wanderlino ampliou seu percurso pela vida literária niteroiense com Passeio das letras na taba de Arariboia (2003), obra primorosa pela pesquisa profunda, pela riqueza iconográfica, pela amplitude da abordagem. Basta ler o sumário para perceber que nada (ou quase nada) escapou ao seu olhar atento: a Roda do Café Paris, as academias e outras instituições congêneres, os espaços culturais, as coletâneas, os grêmios e os concursos literários, os jornais e as revistas, as livrarias, o Grupo Mônaco de Cultura, as caravanas literárias, o Movimento da Poesia-Cartaz, as editoras, os grupos de declamação, as oficinas de texto, as pendengas literárias, entre outros assuntos. Da concessão do título de Intelectual do Ano à literatura de cordel, da Imprensa Oficial às editoras particulares, das posses solenes às reuniões informais no Calçadão da Cultura, Wanderlino acompanha o passeio das letras em Niterói durante o século XX, com erudição, mas sem pernosticismo, com gosto de contação de histórias, com linguagem clara, concisa, e toques de humor aqui e ali.

No texto introdutório do livro, o secretário de Cultura de Niterói à época da publicação, Marcos Gomes, declara: “A Secretaria Municipal de Cultura, junto à Fundação de Arte de Niterói, redefine e reafirma, através desta publicação, seu papel na construção de uma cidade mais consciente de sua identidade e relevância cultural”. Já o livreiro Carlos Mônaco, na quarta capa, afirma: ” Estou certo de que será agradável leitura, pelo estilo fluente do autor, bem como relevante fonte de consulta (…)”.

Principalmente por conta da importância dessa publicação, o Grupo Mônaco de Cultura outorgou a Wanderlino o título de Intelectual do Ano em 2005. Em vez de um discurso convencional, o escritor ousou apresentar, no dia do recebimento da comenda, um texto de cordel – De quando as letras saíram do Café Paris e chegaram ao Calçadão da Cultura – em que resume a obra Passeio das letras na taba de Arariboia. Dessa forma, retribuiu a todos aqueles que atuam no movimento literário em Niterói a homenagem recebida, sem fazer distinção entre cultura erudita e popular. (O cordel está disponível na página de “Obras”)

3.4. Em 2014, o autor decidiu lançar-se em passeio pelo seu passado. Muitos que o conhecem como administrador ou escritor talvez não saibam que, longe no tempo, Wanderlino ousou entrar em outro campo – o de futebol. Por pouco não se profissionalizou. Disputou campeonatos em areias, quadras e gramados. Conquistou títulos e medalhas. Hoje, apenas um apaixonado tricolor, relembra-se com saudade de suas incursões pelo famoso “esporte bretão”. Mas para não ficar apenas em recordações nostálgicas, resolveu transformar em palavras o que já foi ação: passes, chutes, defesas, gols, torcidas, viagens de juventude…  Muitas memórias em jogo – Bola na trave. Livro de caráter autobiográfico, não se limita, entretanto, à narrativa dos lances de um jovem jogador de futebol amador; nele o leitor encontra ecos de outra história – a da cidade de Niterói dos idos de 1950 e 60. Bola na trave carinhosamente evoca, também em fotos, familiares, amigos, colegas, profissionais, com quem o escritor aprendeu a lidar com as vitórias e as derrotas.

3.5. A pedido de Ana Beatriz Barbosa Ponte, filha de Danusia Barbara, Wanderlino Teixeira Leite Netto mergulhou por meses em rico material de pesquisa para registrar, por escrito, o essencial trabalho dessa jornalista e crítica de gastronomia. Na leitura do extenso material colocado à sua disposição, o autor saboreou a fértil experiência de vida e as realizações profissionais daquela que, com um estilo ímpar e ampla bagagem cultural, elevou o assunto “gastronomia” a um patamar superior de importância na área jornalística. Resultou, daí, o livro Os sabores e os saberes de Danusia Barbara. Na apresentação, Wanderlino afirma:

Escrever este livro envolveu-me num misto de desafio, responsabilidade, admiração, agradecimento e prazer.

Desafio, ao me deparar com onze caixas, nas quais repousavam vários apontamentos, antigos jornais e revistas, fotografias, documentos… Selecionar o que seria utilizado, agrupar assuntos afins, pesquisar, escolher fotos, definir capítulos, digitar, reescrever. Tudo isso buscando o ponto certo, o tempero adequado.

Responsabilidade porque só se visita o antigamente – a história de uma pessoa – com plena consciência do necessário cuidado e do indispensável respeito.

Admiração e agradecimento, pelo conjunto da obra colocada à mercê de minhas retinas, ao alcance de minhas mãos, franqueada sem restrições ao juízo de minha cabeça e de meu coração.

Prazer, pelos tantos textos sensíveis aos quais tive acesso, pela oportunidade de poder pervagar pelas veredas da gastronomia e por muitos outros caminhos, fruto da leitura de livros e matérias jornalísticas tão bem escritos por Danusia Barbara.

Como se encontra expresso nesse último parágrafo, na referida obra Wanderlino aborda não apenas a atuação de Danusia no campo da gastronomia, mas também em seu trabalho anterior, no qual se destacou por suas entrevistas com personalidades relevantes do meio cultural, suas resenhas literárias, seus comentários sobre manifestações artísticas em geral. O autor transporta, ainda, os leitores pelas múltiplas viagens ao redor do mundo, realizadas pela jornalista em suas andanças em busca de novos sabores e saberes. E revela o tanto de reconhecimento que ela conquistou com seus livros, suas matérias jornalísticas para importantes periódicos do Rio de Janeiro e sua atuação em rádio e televisão.

Resgatando trechos do vasto material produzido por Danusia em tantos anos de labuta profissional, o escritor contribui para preservar, com esse livro, o estilo ao mesmo tempo requintado e simples, culto mas informal, sério sem ser sisudo dessa jornalista irreverente, tão reverente com a cultura, que em seus textos, como faz um bom chef com os ingredientes culinários, soube dosar na medida certa a informação, o humor, a crítica, o lirismo, a reflexão…

Wanderlino, em Os sabores e os saberes de Danusia Barbara, temperou com pitadas de afeto esse livro, tão bem redigido. Utilizando, a todo momento, palavras do campo semântico da gastronomia, ele oferece uma espécie de menu degustação dos saborosos textos com que Danusia Barbara, em vida, brindou os mais exigentes leitores. A língua agradece à mestria literária de ambos.

Referências bibliográficas:

1.LEITE NETTO, Wanderlino Teixeira. Contos recontados – ensaio. Niterói, RJ, Clube de Literatura Cromos, 1988.
2._______________________________. Ambição do pingo d´água – viagem ao redor de Jacy Pacheco – biografia. Niterói, RJ, Clube de Literatura Cromos, 1993.
3._______________________________. Dança das cadeiras – História da Academia Niteroiense de Letras – pesquisa histórica. Niterói, RJ, Imprensa Oficial do Estado do Rio de Janeiro/ Livraria Ideal, 2001.
4._______________________________. Passeio das letras na taba de Arariboia – a literatura em Niterói no século XX. Niterói – pesquisa histórica, RJ, Niterói Livros, 2003.
5._______________________________ De quando as letras saíram do Café Paris e chegaram ao Calçadão da Cultura – literatura de cordel. Niterói, RJ, Edição do autor, 2004.
6._______________________________ Bola na trave: recordações de um quase profissional de futebol – autobiografia. Rio de Janeiro, RJ, Edição do autor, 2014.
7._______________________________ Os sabores e os saberes de Danusia Barbara – jornalismo e gastronomia. Rio de Janeiro, RJ, Editora Cassará, 2022.

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