Beijo de língua

O circo da madrugada

Na quietude da madrugada, ao passar por um circo adormecido, Adroaldo imaginou o céu uma lona imensa a cobrir um picadeiro enorme. Ato contínuo, bradou a plenos pulmões: “Respeitável público, vai começar a função!” Iluminado por luzes mortiças de lâmpadas esparsas, deu início ao espetáculo.

Da cartola da infância, retirou sonhos para o seu sustento. Cena de um quase nada, coloridas ilusões escapulidas pela lona esburacada. A seguir, na presença de uma plateia de sombras, encenou o quadro da adolescência: equilibrista e palhaço, esforçou-se também na tentativa de uns contorcionismos.

Mais adiante, arriscou-se no espaço, atirou facas, engoliu fogo, domou feras desdentadas, mas não fugiu tanto assim da figura do arlequim. O dia ameaçava amanhecer quando, entre palmas e apupos, mágico, equilibrista, palhaço, contorcionista, atirador de facas, trapezista, engolidor de fogo, domador e arlequim deixaram o picadeiro unidos na mesma dor.

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