Passeio das letras na taba de Araribóia

Nas três primeiras décadas do século XX, as letras niteroienses frequentavam o Café Paris, encravado no centro da cidade, mais precisamente na Rua da Praia (atual Visconde do Rio Branco), entre a Rua Direita (atual Rua da Conceição) e a Cel. Gomes Machado. Ali se reunia a intelectualidade boêmia de então, na chamada Roda do Café Paris… […]

[…] Como o reduto literoboêmio fechava por volta da meia-noite, os integrantes da Roda seguiam de bonde para São Francisco e iam terminar a noitada nas mesas do bar do restaurante Lido, que só bem mais tarde encerrava o expediente. Verdadeiro cenáculo ambulante! Lamentavelmente, muito da produção literária desse grupo de boêmios perdeu-se, já que seus integrantes tinham por hábito escrever em papel de embrulhar pão ou no verso do papel prateado de maços de cigarro. A maioria abandonava seus escritos nas mesas do Café Paris ou do Lido, à mercê de uma vassoura iletrada. […]

– Páginas 19/20 –

Em 1950, havia um grupo de pessoas que trocava a praia de domingo por uma tertúlia na casa de Luiz Magalhães, na Rua Miguel Couto. […] Dessas conversas matinais surgiu Letras Fluminenses, inicialmente sob a responsabilidade de Luiz Magalhães, Luiz Palmier, Maurílio de Gouvêa, Renato de Lacerda e Elmo Tavares. Pouco depois, Luiz Magalhães ficou só à frente dos destinos do jornal, que teve periodicidade incerta, sofrendo interrupções às vezes prolongadas. […]

[..] Letras Fluminenses nasceu, cresceu, tropeçou, cambaleou, hibernou, bateu asas e, lamentavelmente, após a edição nº 116, que cobriu os meses de julho a agosto de 1991, deixou de circular. Gravemente enfermo, sem haver preparado sucessor, Luiz Magalhães viu-se impedido de continuar exercendo os papéis de redator, diagramador e distribuidor, para citar apenas algumas de suas múltiplas atividades relativamente ao jornal. […]

– Páginas 231 e 234 –

Quando, lá pelos idos de 1966, a repressão aos opositores do regime instaurado no País pelo golpe militar de 31 de março de 1964 tornou-se ainda mais ostensiva, um grupo de amigos, temerosos do que lhes pudesse acontecer, passou a se reunir, de segunda a sexta-feira, em frente à Galeria Gold Star, na Rua da Conceição, no coração da cidade. Assim, faziam-se notoriamente visíveis. Qualquer sumiço logo cairia na boca do povo. Luís Antônio Pimentel, Hugo Tavares, Ayrton Pinto Ribeiro, Ney Costa e Ambrósio Godofredo de Campos Góes faziam parte daquilo que, espirituosamente, passaram a chamar de Universidade do Calçadão. Em 1986, já com José Sarney na presidência da República, o grupo ainda se reunia, não mais para se proteger, mas para manter animadas conversas, a maioria delas tendo por tema a literatura. À medida que a redemocratização do País ganhava corpo, novos “universitários” iam surgindo. […]

[…] Gradativamente, as presenças foram diminuindo, até a “universidade ao ar livre” se transformar em doce recordação.

– Páginas 311 e 313 –

Na década de 1960, no auge de seu prestígio como Stanislaw Ponte Preta, com sua veia humorística e demolidora, Sérgio Porto costumava dizer (e escrever) que, em Niterói, urubu voava de costas e galinha ciscava para frente. O dito virou bordão, principalmente entre os cariocas, e veio somar-se à já costumeira provocação de ser a vista da cidade do Rio de Janeiro o que de melhor existia na terra de Araribóia. Embora espirituosa, a máxima de Stanislaw, por motivos óbvios, desagradava aos niteroienses. Ainda assim, quando, em 1968, Sérgio Porto trouxe para Niterói o Show do Crioulo Doido, com texto de sua autoria, as apresentações lotaram o Teatro Municipal João Caetano. Com a participação das cantoras do Quarteto em Cy, do cômico Alegria e de um selecionado grupo de músicos, o espetáculo registrou retumbante sucesso.

Brios feridos, o poeta Gomes Filho, para quem Niterói era Cidade Sorriso, preparou uma surpresa para Stanislaw: ao término de uma das apresentações, em pleno palco, presenteou-o com uma gaiola; dentro dela, encolhido e assustado, um urubu. […]

– Página 325 –

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