A dança dos lábios
O Correio
Tema: A seriedade do riso
Edição: 2 de agosto de 1997
Abro a revista numa página qualquer e dou com Monalisa e seu sorriso enigmático, o que me faz pensar: riso é coisa séria! Na Idade Média, chegou a ser proibido pela Igreja. Em O nome da rosa, Umberto Eco aborda o assunto magistralmente. Vale também lembrar: as estátuas do período clássico da antiguidade grega são todas sérias, influência das guerras tão frequentes, da presença constante da morte. Ainda assim, o riso acabou vingando e aí está. Da gargalhada de Fafá de Belém ao sorriso do feirante desdentado, multiplica-se.
Há, por exemplo, o sorriso amarelo, forçado, contrafeito, quase inconcluso, ligeira contração dos músculos faciais. No lado oposto, o sedutor, aquele que se mistura ao brilho dos olhos em fatal parceria. Muito próximo, acampa o malicioso, sagaz, repleto de manha. E o sorriso nervoso, capaz de se manifestar à revelia? Existe, também, o cúmplice, pleno de mistérios e códigos.
Há pessoas portadoras, permanentemente, de um sorriso triste, descolorido, acuado na moldura do rosto. Por outro lado, existe quem ri de forma irônica. Aí o riso é punhal, faca de ponta cravada entre as costelas. Em compensação, conheço os de riso franco, acolhedor, maduro feito figo em tempo de bicada de passarinho. E o palhaço, obrigado à presença constante da gargalhada? Haverá riso mais perverso?
Poderia continuar esmiuçando o riso, mas fico por aqui. Proponho ao leitor prosseguir na empreitada. Ao dar os trâmites por findos, algo me incomoda: o sorriso de Monalisa permanece enigmático, quase um deboche.